Após o colapso da rede de saúde de Manaus, o secretário de Saúde do Amazonas, Marcellus Campêlo, alertou os outros estados do Brasil sobre o risco da falta de oxigênio generalizada pelo país. Nesta terça-feira (19), outros dois municípios registraram mortes em decorrência da falta de oxigênio: foram sete mortos em Coari, no Amazonas, e seis óbitos em Faro, no Pará.
Segundo Gerson Salvador, infectologista e especialista em saúde pública, há duas possíveis causas para a crise de falta de oxigênio na rede de hospitais pelo Brasil: a incompetência no provisionamento de insumos diante de uma pandemia e a economia em gastos essenciais para a vida dos cidadãos brasileiros – como o oxigênio em hospitais.
"A gente tem um governo federal que, num local onde as pessoas estão morrendo asfixiadas com falta de oxigênio, oferece ivermectina, que é remedio pra verme, e cloroquina, que é remedio para malária. [...] E vivemos um colapso de financiamento do SUS [Sistema Único de Saúde], que ficou agravado pelo teto de gastos aprovado no governo Temer, e é uma crise que só tem piorado", avalia Salvador.
Paciente com COVID-19 chega a Teresina (PI), após ser transferida de Manaus (AM), cidade que enfrenta colapso no sistema de saúde
O estado do Amazonas sabia, desde novembro, que a quantidade de oxigênio hospitalar disponível seria insuficiente para atender a alta demanda provocada pela pandemia de COVID-19. A informação consta de um projeto básico, elaborado pela secretaria de Saúde do estado, para a última compra do insumo, realizada no fim do ano passado. A White Martins, fornecedora de oxigênio, informou que, se o contrato tivesse previsto um pedido maior na oportunidade, a empresa teria conseguido atendê-lo.
Além disso, o governo federal também sabia, pelo menos desde o início de janeiro, quando o ministro da Saúde Eduardo Pazuello esteve em Manaus, sobre a situação crítica da rede hospitalar no Amazonas.
Portanto, o que faltou, segundo Salvador, foi um planejamento adequado.
"Claramente o governo não observou o crescimento de casos desde o final do ano de 2020, a partir de novembro, dezembro, que já mostrava que ia testar a capacidade assistencial. Não houve o provisionamento adequado", afirma o especialista.
Salvador lembra que esta não é a primeira vez que faltaram insumos para os hospitais públicos durante a pandemia de COVID-19. Houve, por exemplo, a falta de anestésicos e outros medicamentos para o procedimento de intubação. No Rio de Janeiro, pacientes morreram em decorrência da falta destes insumos.
Atualmente, além do aumento de casos de COVID-19, o especialista destaca que o oxigênio tem sido utilizado por vários outros pacientes, que sofrem com pneumonia, asma e insuficiência cardíaca, por exemplo. "As crianças prematuras, procedimentos cirúrgicos, procedimentos de emergência de infarto, cirurgias de trauma e inúmeros outros casos também exigem o oxigênio", diz o médico. Diante da situação, o infectologista faz um alerta para todos os estados.
"Frente a este crescimento de demanda, é importante que os estados atentem para isto e se organizem para prover insumos no geral, inclusive oxigênio", diz Salvador.
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Agente da Saúde se emociona durante colapso no sistema de saúde do estado do Amazonas, no hospital Getúlio Vargas, Manaus, 14 de janeiro de 2021
'O tratamento precoce é um engodo', afirma especialista
Apesar de diversas pesquisas que comprovam que as drogas ivermectina e cloroquina não têm qualquer eficácia contra a COVID-19, diversos médicos em todo o Brasil seguem receitando as medicações. Afinal, elas têm alguma chance de eficácia? Salvador garante que não.
"O tratamento precoce é um engodo. Diversos estudos demonstram que estas drogas não são eficazes contra a COVID-19. Lamentavelmente, o Conselho Federal de Medicina se omite, deixando para o médico escolher como tratar os pacientes", diz o infectologista.
Segundo ele, outras entidades, como a Sociedade Brasileira de Infectologia, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e a Associação Médica Brasileira publicaram comunicados contra o tratamento precoce com estes medicamentos.
"Os médicos que estão prescrevendo estes remédios ou estão desinformados ou têm interesse político em apoiar as medidas do governo", avalia Salvador.
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