Pela proposta apresentada por Washington e Brasília na OMC, o princípio de economia de mercado deve valer para todos os membros da organização, a fim de garantir condições equitativas de competição econômica no comércio internacional. A China tem o status de país em desenvolvimento, o que os EUA não aceitam.
A iniciativa entre o Itamaraty e a Casa Branca mostra o fortalecimento das relações bilaterais entre os dois países,
porém isso não vem resultando em alguma mudança na balança comercial, conforme explicou o professor-visitante de Direito Internacional Público e de Relações Internacionais da Universidade de Relações Exteriores da China, Marcus Vinícius Freitas.
Em entrevista à Sputnik Brasil, o docente que mora em Pequim considerou a iniciativa conjunta contra os chineses equivocada, seja pela ascensão global da China mesmo em tempos de COVID-19, ou ainda pelo fato de que o governo do presidente Jair Bolsonaro está mais uma vez alvejando o seu principal parceiro comercial.
"O que me parece até agora, apesar de toda a movimentação do governo nesse sentido, eu não tenho notado algum momento em que a balança comercial do Brasil com os EUA tenha se alterado substancialmente. Então me parece complicado que nós estejamos tomando algumas medidas nesse sentido contra aquele que é o nosso maior parceiro comercial, sendo que inexiste no mercado internacional alguém que possa substituí-lo", declarou.
Freitas avaliou que é bem provável que o governo do presidente Xi Jinping deva mandar algum sinal de insatisfação ao Brasil, como já fez em
polêmicas recentes iniciadas por ministros ou filhos de Bolsonaro. E, se isso ocorrer, os chineses terão muitos motivos para assim proceder. Já a chance de retaliação não é descartada pelo analista, mas pode não vir no curto prazo.
"Pelo que observei pelo tempo que moro na China e pelo que tenho conversado, os chineses têm aquele aspecto importante que é aquele pragmatismo que lhes é característico e ele faz com que tenham uma visão de longo prazo, e é ela que faz com que eles compreendam que o relacionamento não é entre governos, mas sim entre países", contou o professor.
"Então a administração atual eventualmente chegará ao fim, daqui a dois anos ou seis anos [em caso de reeleição], mas esse relacionamento é com o país. Entendo que os chineses efetivamente não modificarão muito a sua política em razão desse pragmatismo de longo prazo [...]. Então a retaliação pode acontecer, mas ela vai levar em consideração a transitoriedade dos governos e a compreensão que o relacionamento bilateral é mais importante do que a administração atual", acrescentou.
Eleição nos EUA, BRICS e ordem global: possíveis perdas para o Brasil
Questionado sobre a situação dos EUA
em pleno ano de eleições presidenciais, Marcus Vinícius Freitas explicou que vê ligações entre o tema envolvendo Washington, Brasília e Pequim na OMC, indicando que Bolsonaro pode estar impulsionando uma briga contra os chineses em um movimento que o presidente Donald Trump quer: o de ter a China como inimigo número um.
"O elemento econômico é essencial para ele [Trump] neste momento, e também não podemos esquecer e não considerar que a criação de um inimigo externo faz com que as pessoas no geral se aproximem mais daquele que está à frente do Poder Executivo. A batalha com a China tem esse viés no sentido de buscar uma recuperação econômica e também fazer com que a China seja vista como o vilão da história, e este vilão precisa ser combatido e ele é a pessoa capaz de fazer isso", argumentou.
Entretanto, "em briga de cachorro grande, quem mete a mão sai mordido", recitou o docente da Universidade de Relações Exteriores da China, recordando-se de um ditado português. Assim, de acordo com ele,
a presença do Brasil diante do confronto direto entre as duas potências mundiais não atende aos interesses nacionais. E podem trazer problemas.
© FOLHAPRESS / PEDRO LADEIRA
Líderes dos países membros do BRICS em Brasília
Freitas relembrou que a grande parcela das exportações brasileiras para Pequim é de produtos de natureza agropecuária. Aqui há o primeiro choque: "não podemos esquecer que 40% do acordo comercial entre China e EUA pós-guerra comercial está relacionado à parte agrícola", ponderou, complementando que a resistência da União Europeia (UE) aos produtos agrícolas do Brasil só aumenta a importância chinesa à balança comercial local.
"A China no atual momento é o grande comprador do Brasil, tem um interesse estratégico no Brasil, e também nós pertencemos ao BRICS, o que nos dá oportunidade de conversarmos com maior frequência com a China", disse Freitas que, ao citar o bloco que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, apontou mais pontos que podem atingir o país.
"O fato do Brasil alinhar-se aos EUA sendo companheiro da China no BRICS me parece extremamente equivocado, porque aí nós também começamos a romper um laço de relacionamento importante. Afinal, nós começamos a ser vistos não como um parceiro, mas como um parceiro que não é muito fiel nas suas interações. Então isso prejudica muito até mesmo as atividades do BRICS porque vai se entender o Brasil ali como sendo alguém que está acendendo vela ao santo equivocado", analisou.
O especialista ouvido pela Sputnik Brasil ainda destacou que o Brasil vem se posicionamento "com o país que está em declínio", afirmando que o país deveria se focar mais em ser mais próximo da China, tanto para incrementar a área comercial quanto para se posicionar "do lado certo" de uma alteração da ordem global que vem aí.
"O mundo vem sendo igual há mais de 70 anos, isso vai ser necessário ocorrer e a China é o país que está promovendo isso. Então a proximidade do Brasil com a China poderia se refletir aí com o aumento da importância do Brasil no cenário global [...]. É importante entendermos que nas relações internacionais não existem nem amigos, nem inimigos perenes. O que são perenes são os interesses do país na ordem internacional e, ao que me consta, a partir dessa verificação e dessa situação nós estamos colocando a amizade acima do interesse do país no longo prazo. E nós sabemos que governos vão e vêm e os países ficam. O problema é qual é a imagem do Brasil que nós construímos internacionalmente no curto, médio e longo prazos", concluiu.
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