Da perda de olfato a acidente vascular cerebral, sintomas da COVID-19 variam muito nos pacientes. Mas dados crescentes que o vírus pode entrar no cérebro têm causado muita apreensão aos neurologistas, alerta o portal científico Trust My Science.
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A COVID-19, a doença provocada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2, afeta os indivíduos de diferentes formas, desenvolvendo na maioria das pessoas infectadas uma forma leve a moderada da enfermidade, os pacientes se recuperando sem necessidade de hospitalização.
No entanto, esse nem sempre é o caso, e quando o vírus penetra no cérebro pode causar complicações muito graves e deixar sequelas para o resto da vida.
Danos cerebrais podem ser graves
Foi no início da epidemia em Nova York que a neurologista Jennifer Frontera e seus colegas começaram a notar sintomas neurológicos em pessoas com COVID-19, tais como desmaios, convulsões e derrames.
Outros sintomas neurológicos pareciam mais leves, como a perda do olfato e do paladar. Houve, contudo, quem desenvolvesse encefalite, uma inflamação potencialmente fatal do cérebro.
Esta foi uma descoberta surpreendente para uma doença que se pensava originalmente atacar as vias aéreas, acabando a perda de paladar e olfato adicionada à lista oficial de sintomas da OMS.
Como o novo coronavírus está causando este tipo de sintomas neurológicos. Atacando diretamente os neurônios?
"Se este for o caso, podemos ter que reconsiderar alguns dos tratamentos que estão sendo desenvolvidos para a COVID-19. E, é claro, também precisamos considerar a possibilidade de doenças neurológicas crônicas e de longo prazo em alguns sobreviventes", observou Frontera, citada pelo portal Trust My Science.
Estudo chinês constatou que 5,6% dos pacientes tiveram perda temporária do paladar, enquanto 5,1% tiveram perda temporária do olfato.
Mas relatórios europeus apontam que cerca de 86% experimentaram alguma mudança em sua capacidade de cheirar e 89% tinham uma capacidade reduzida ou distorcida de determinar sabores.
© AFP 2020 / HAIDAR HAMDANI
Homem com máscara e crianças em aeroporto no Iraque (foto de arquivo)
Outros sintomas neurológicos também aparecem, como dores de cabeça e tonturas. Aqueles com doenças mais graves também podem sofrer convulsões e derrames, o mesmo acontecendo em jovens sem historial clínico.
Uma avaliação na China constatou que cerca de 6% das pessoas com doença grave desenvolveram uma patologia que afetou o fornecimento de sangue ao cérebro.
"Temos visto AVC e sangramento no cérebro e um punhado de casos de inflamações e lesões cerebrais", realçou Frontera.
Em algumas doenças, o dano neurológico é um efeito resultante de outros problemas no organismo, não causados por um patógeno que ataque diretamente o sistema nervoso.
Mas na COVID-19 é possível que o vírus entre no cérebro e no sistema nervoso. Note-se que muitos outros vírus que infectam humanos fazem isso, incluindo outros coronavírus.
No cérebro entram coronavírus demais
O canadense Pierre Talbot estuda coronavírus desde os anos 80. Grande parte de seu trabalho tem se concentrado em dois coronavírus conhecidos por infectar humanos: HCoV-OC43 e HCoV-229E, ambos causadores do resfriado comum.
"Sabemos que ambos podem entrar no sistema nervoso e no cérebro. Quando coloco [o OC43] no nariz de ratos, o vírus vai diretamente ao cérebro através do nervo olfativo", afirmou Talbot. E, uma vez atingido o cérebro, "ele se espalha por toda a massa encefálica, matando neurônios e podendo causar encefalite".
Efeitos semelhantes têm sido observados, embora muito raramente, em pessoas infectadas com o coronavírus HCoV-OC43, segundo Talbot.
O coronavírus SARS, que grassou em 2002 e 2003, pareceu agir de forma semelhante. Autópsias realizadas após o fim da epidemia revelaram sua presença em todos os cérebros.
Outras hipóteses
"Também é possível que os sintomas neurológicos sejam causados pela falta de oxigênio", opina por seu turno Sanjay Mukhopadhyay, da Clínica de Cleveland, em Ohio (EUA).
"Isso também pode explicar por que alguns pacientes que sobreviveram à COVID-19, depois de estarem na UTI em suporte de vida, podem apresentar sinais de danos cerebrais", observa Frontera.
A resposta imunológica do próprio corpo a uma infecção também pode causar danos ao cérebro: uma reação excessiva do sistema imunológico pode levar ao chamado choque de citocinas, uma ativação extrema das células imunitárias que pode levar a mais inflamação e danos aos órgãos.
© FOTO / ARQUIVO NACIONAL DE MICRORGANISMOS PATOGÊNICOS DA CHINA
Primeira foto do novo coronavírus feita com microscópio eletrônico por cientistas chineses
Mas, com base nas evidências que temos até agora, "é razoável supor que o vírus entre no cérebro", diz o neurologista Avindra Nath, que adianta ser "absolutamente essencial que aprendamos como o vírus ataca o cérebro".
Atualmente, há muitas terapias antivirais em desenvolvimento para a COVID-19 que se concentram nos pulmões. Mas levar medicamentos para o cérebro é um desafio totalmente diferente, por ter de se vencer a barreira hematoencefálica, a camada protetora do cérebro que controla o que pode e o que não pode entrar no cérebro.
"E a maioria dos medicamentos não consegue fazê-lo", observou Nath.
Sequelas duradouras
Se o vírus chegar ao cérebro, pode ter consequências neurológicas a longo prazo.
Sabe-se que alguns vírus podem se esconder em neurônios e se reativar causando doenças mais tarde na vida. Este é o caso do vírus do herpes simples, que permanece nos neurônios e pode se reativar ao longo da vida.
"Não é impossível que o novo coronavírus possa ter o mesmo tipo de persistência no cérebro", afirma Talbot, e que "quando reativado, possa causar doenças neurológicas", acrescentou.
Impacto a longo prazo
Para além disso, alguns efeitos neurológicos podem ter um impacto duradouro nas pessoas que se recuperam da COVID-19. Derrames e convulsões podem causar danos cerebrais com consequências a longo prazo, e muitas pessoas que sofrem tais consequências necessitarão de acompanhamento e reabilitação.
Alguns dos pacientes de Frontera que tiveram que usar respiradores artificiais já estão mostrando sinais de sérios danos cerebrais, ao ponto de "a chance de eles acordarem parecer extremamente baixa", diz ela.
Além de uma perda temporária do olfato e do paladar, a maioria dos efeitos neurológicos parece ocorrer apenas em casos muito graves de COVID-19.
Mas, "mesmo que atinja apenas em uma pequena porcentagem de indivíduos [...], não devemos levar isso de ânimo leve", concluiu Nath.
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