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quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Internet: Regulação de redes sociais no Brasil: quais seriam as consequências para usuários e empresas?

 


Com ajuda de Allan Turano, advogado especialista em Direito do Entretenimento e Negócios Digitais, a Sputnik explica os recentes movimentos legislativos do presidente Jair Bolsonaro com o intuito de alterar as regras sobre Internet no Brasil e pondera sobre as consequências, negativas e positivas, que isso pode trazer para os usuários.

Na noite de 6 de setembro deste ano, véspera das manifestações que marcaram o feriado nacional da Independência do Brasil, o presidente Jair Bolsonaro editou a Medida Provisória nº 1.068/2021 para dispor sobre o uso de redes sociais no Brasil.

Medida Provisória (MP) é um instrumento que permite ao chefe do Executivo legislar, desde que em caso de relevância e urgência. É comum que as MPs entrem em vigor na data da sua própria publicação, com aplicação imediata. Elas permanecem válidas por até 60 dias, prorrogáveis por igual período. Nesse meio tempo, o Congresso Nacional poderá apreciá-la, rejeitando-a ou a convertendo em lei.

A MP em questão alterava a Lei nº 12.965/2014, conhecida como Marco Civil da Internet, que estabelece direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Dentre suas disposições, a MP objetivava restringir as redes sociais de excluir, cancelar ou suspender perfis de usuários ou suas postagens sem justa causa e motivação. Caso esses elementos não fossem demonstrados, as redes sociais estariam sujeitas a sanções que iriam da mera advertência à multa de até 10% do faturamento do grupo econômico no país. Haveria também a possibilidade de serem punidas com a proibição, temporária ou definitiva, de realizarem atividades envolvendo dados pessoais no país.

O ato do presidente foi muito mal recepcionado pela opinião pública, em especial pelo timing da sua criação, já que se deu na véspera da manifestação nacional de apoio ao atual governo. A alegação é de que a MP seria uma tentativa do presidente de dificultar que as redes sociais banissem perfis ou excluíssem conteúdos publicados por seus apoiadores, o que supostamente favoreceria a propagação de discurso de ódio e de fake news. Em tempo recorde, cerca de uma semana após sua edição, o Congresso Nacional rejeitou a matéria, fazendo com que a MP deixasse de vigorar.

Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro na manifestação do dia 7 de setembro em São Paulo, Brasil
© REUTERS / AMANDA PEROBELLI
Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro na manifestação do dia 7 de setembro em São Paulo, Brasil

Surpreendentemente, o presidente Jair Bolsonaro apresentou nesta segunda-feira (20) um Projeto de Lei (PL) com o mesmo teor da MP rejeitada. Como se trata de um PL, não haverá eficácia imediata; as normas só passarão a produzir efeitos após debate e alterações pelo Congresso Nacional. Para alguns, isso demonstra resiliência do presidente por não "jogar a toalha" e seguir firme em suas convicções, enquanto para outros a insistência na medida é um "choro de perdedor" e representa certo desprezo pelo processo legislativo democrático.

Fato é que o tema novamente está quente e em pauta no noticiário, o que nos faz refletir: será que a proposta é de todo ruim? Pretendemos contribuir para o debate explicando diferentes visões sobre o tema.

Qual a justificativa e o que muda com a proposta do presidente?

O texto original da MP foi embasado em uma nota conjunta dos Ministérios do Turismo, Ciência, Tecnologia e Inovações e Justiça e Segurança Pública, segundo a qual, na prática, os usuários brasileiros estariam sendo tolhidos de exercer seus direitos constitucionais de liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento. Nesse sentido, a nota afirma que o Marco Civil da Internet "tem se mostrado insuficiente para evitar que um número crescente de brasileiros tenha suas contas ou conteúdos removidos de maneira unilateral, arbitrária e imotivada por provedores de redes sociais".

A solução, portanto, seria alterar o Marco Civil da Internet para incluir regras específicas a respeito de eventual moderação do uso e do conteúdo gerado em redes sociais. Em linhas gerais, a MP dispõe que:

  • As redes sociais deverão fornecer informações claras sobre quaisquer medidas e instrumentos utilizados para eventual moderação de conteúdo.
  • As redes sociais estarão proibidas de adotar critérios de moderação ou limitação do alcance da divulgação de conteúdo que impliquem censura de ordem política, ideológica, científica, artística ou religiosa.
  • A exclusão ou a suspensão, total ou parcial, do perfil do usuário ou da divulgação de conteúdo por ele gerado somente poderá ser realizado com justa causa e motivação.
  • O usuário deverá ser notificado de forma prévia ou concomitante sobre a exclusão ou suspensão, com indicação dos motivos e do fundamento jurídico.
  • Os usuários terão direito a contestar e solicitar a revisão da exclusão ou suspensão por meio de um canal eletrônico de comunicação fornecido e gerido pela própria rede social, que decidirá se restituirá o conteúdo e/ou se restabelecerá a conta ou perfil do usuário.
Página de login do Facebook no celular
© FOTO / AGÊNCIA BRASIL / FERNANDO FRAZÃO
Página de login do Facebook no celular

A proposta do presidente propicia a divulgação de fake news e de discurso de ódio?

Críticos à MP proposta pelo presidente Jair Bolsonaro alegam que as novas regras tornariam mais burocrática e onerosa a moderação de conteúdo pelos provedores de redes sociais. De fato, isso ocorrerá na medida em que obrigações semelhantes às previstas na MP não existiam, de modo que ficava a crivo da própria rede moderar o conteúdo, com fundamento ou não em seus termos de uso e políticas.

No entanto, as alterações promovidas pela MP por si só não fomentam a divulgação de fake news e de conteúdos que promovam discurso de ódio. A possibilidade de exclusão ou suspensão de perfis de usuários e de conteúdo, independentemente de intervenção judicial, segue existindo.

Quem pode se beneficiar da proposta do presidente?

A popularização das redes sociais fez com que muitos negócios antes baseados apenas nos meios físicos se expandissem para o digital. Esse fenômeno criou ainda uma série de novos profissionais, como os influenciadores, infoprodutores, gestores de tráfego, copywriters e ghostwriters, por exemplo. Como reflexo econômico, boa parte dos investimentos em publicidade, antes concentrados nos veículos impressos e na televisão, hoje migraram para a Internet. Perfis em redes sociais podem constituir verdadeiros negócios digitais, geridos com base em plano de negócios e estratégias de marketing, visando à geração de receita.

Baias de computadores na Central SP 156 da Prefeitura de São Paulo (foto de arquivo)
© FOLHAPRESS / JORGE ARAÚJO
Baias de computadores na Central SP 156 da Prefeitura de São Paulo (foto de arquivo)

Nesse sentido, há diversos relatos de influenciadores sobre prejuízos financeiros causados pela moderação de redes na Internet. Tome-se por exemplo o caso envolvendo os artistas Luisa Sonza e Pedro Sampaio. Conforme reportado pela Folha de São Paulo, a dupla acusou a plataforma de hospedagem de vídeos YouTube de "boicote" a um de seus clipes, lançado em maio deste ano. O YouTube teria exercido moderação abusiva sobre conteúdo, ao restringir o alcance do clipe por supostamente conter "excesso de pele" e "conteúdo explícito", o que foi negado pelos artistas.

A proposta, portanto, pode trazer maior segurança e estabilidade para negócios digitais contra decisões arbitrárias de exclusão e suspensão. O debate é saudável e válido.

O que esperar para o futuro?

O PL proposto pelo presidente Jair Bolsonaro será apreciado pela Câmara dos Deputados, que poderá rejeitá-lo, aprová-lo ou implementar mudanças ao seu texto. Nos dois últimos casos, a tramitação segue com a remessa do PL para a análise do Senado Federal. A perspectiva, no entanto, é que dada a atual pressão política e popular o tema não ganhe novos contornos em um futuro próximo.

*Esta matéria foi feita em colaboração de Allan Turano, advogado especialista em Direito do Entretenimento e Negócios Digitais.

As opiniões expressas nesta matéria podem não necessariamente coincidir com as da redação da Sputnik



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