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segunda-feira, 9 de março de 2020

Vida de mulher policial: "Já comandei cerca de 500 homens e nunca sofri preconceito explícito", afirma delegada Carmen Dolores



Ainda há profissões que são, não só consideradas masculinas, como de fato, têm homens na maioria dos cargos. Na Bahia, apenas 23,55% do efetivo da Polícia Civil (PC) é feminino, de um total de 5.685 servidores, 1.339 são mulheres, das quais 353 são delegadas, 527 são escrivães e 459 são investigadoras.

De acordo com a última pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil, 60,9% dos cargos gerenciais (públicos ou privados) eram ocupados por homens enquanto que apenas 39,1% pelas mulheres, em 2016. Uma das exceções dessa estatística é a delegada especial Carmen Dolores, que atualmente atua na 14ª Delegacia de Polícia, na Barra.

Há 25 anos na carreira, a delegada contou ao Portal A TARDE um pouco da sua experiência enquanto mulher em uma profissão majoritariamente masculina. "Desde criança eu tinha um senso de justiça muito aguçado, nas minhas brincadeiras de “mocinho e bandido”, eu sempre estava do lado da polícia, sempre gostei dos brinquedos de arma do meu irmão", diz Carmen Dolores.

A longa trajetória da profissional começou com a aprovação em direito na Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde se interessou pela área criminal. Ao fazer concurso para a polícia, foi uma das primeiras selecionadas, o que possibilitou a atuação em Salvador. Foram sete anos como delegada corregedora, seguido do cargo de diretora do Departamento de Crimes Contra o Patrimônio, atuação na Defesa do Consumidor, até receber o convite para ser Delegada Titular na Barra, em 2015.

"Eu sempre pensei muito no coletivo, em agir em prol dele. A polícia é a primeira a ser procurada, então é uma maneira eficaz que eu imaginei para incidir determinados conflitos, é o primeiro passo do processo. Além disso, a área de investigação me seduz. É o que serve de lastro para que o Ministério Público ofereça a denúncia", expôs ela.

Durante a entrevista chegou na delegacia uma mulher querendo falar diretamente com a delegada, questionada se é algo comum, ela conta que a população feminina confia nela. "Têm determinadas situações que fazem com que mulheres tenham a necessidade de falar com uma mulher e, de uma maneira geral, acho que a mulheres se sentem mais confortáveis ao falar com outra mulher", revelou.

E ao trabalho de Carmen já foi reconhecido por prêmios. "Acho que são devido a forma que eu trabalho, com acolhimento as pessoas e com o espírito de servidora pública. Eu acho que eu inspiro outras mulheres e fico lisonjeada com isso, porque eu acho que a gente deve buscar ser algo que vai contribuir para os jovens que estão começando se espelharem e quererem fazer algo pelas pessoas".

Carmen também contou que diversas mulheres a procuram ou até mesmo reconhecem ela na rua e dizem que querem ser como ela, e até pedem dicas. E em meio aos homens da 14ª Delegacia, Carmen Dolores se destaca em cima de um salto alto vermelho, que combina com as unhas e a maquiagem, além do cabelo loiro sempre arrumado também. "Eu sou vaidosa, mas com a alma humilde. Pelo fato da minha profissão ser há tanto tempo vista como masculina, as pessoas esperam alguém que não seja tão feminina, mas eu sou e gosto de mim cuidar sim", enfatiza.

Segurança

Mesmo com diversos aspectos positivos já citados, não podemos deixar de falar da questão do risco que envolve a profissão de policial. A experiência na área proporciona a delegada um pouco mais de segurança nesse quesito. "Trata-se de uma profissão que oferece um certo risco, mas o fato de estar do lado de cá também possibilita dimensionar o que é risco e o que não é", conta ela.



Experiência na área garante mais segurança a Carmen | Foto: Adilton Venegeroles | Ag. A Tarde
"A família generaliza, mas não é bem assim. Eu sei qual investigação pode representar risco pra mim e a que não pode. Aquelas que apresentam maiores riscos eu estabeleço uma cautela devida. Nunca tive medo", acrescentou. Além disso, Carmen também fala sobre um outro aspecto que poderia ser considerado negativo: o preconceito.

"Preconceito explícito eu nunca vivi, se existir pode ser velado, mas nada que me fizesse enfrentá-lo. Nesse 25 anos de polícia, nunca tive problemas dessa ordem. Nem da população, nem dos meus subordinados hierarquicamente. Eu já comandei cerca de 500 homens e nunca aconteceu. Acho que isso depende muito da personalidade, da seriedade que se impõe ao trabalho e nunca houve espaço, de forma explícita, velado não dá pra dimensionar", ressalta a delegada.

Dupla Jornada

Além de comandar a delegacia, Carmen também teve que gerenciar a maternidade. "Conciliar a maternidade com qualquer profissão não é algo fácil, porque a mulher tem uma jornada dupla, sabemos disso, ela tem que atender com eficiência o trabalho e os filhos, para que não terceirize a educação, porque isso pode trazer consequências severas. Eu acho que fiz bem essa conciliação e hoje os meus filhos se orgulham de mim e eu deles".



Delegada conta que se dedica a profissão até quando está de folga | Foto: Adilton Venegeroles | Ag. A Tarde
A rotina da delegada é puxada e mesmo assim, ela não hesita quando é necessário correr para a delegacia até mesmo quando está de folga. "Um caso marcante foi de um adolescente que foi morto na porta de casa. Na hora que tomei conhecimento, numa sexta-feira, eu vim para a delegacia e fiquei o fim de semana todo sem ser plantão e eu decidi que só sairia de lá com o caso bastante encaminhado e elucidado. Conseguimos em 48h prender o menor envolvido e identificar o maior. Eu me sinto com o dever cumprido ao minimizar um pouco a dor da família dessas vítimas", contou.

"Policial é policial o tempo inteiro. A gente acaba absorvendo tudo e ficando sempre alerta, costumo dizer que entro nos lugares com o "giroflex" ligado. Dependendo do caso, não tem dia e não tem noite. Já houve um mandado de prisão que saiu no dia do meu aniversário e eu vim direto pra cá, 21h eu ainda estava aqui interrogando", completou ela.

Quanto ao futuro, por ter muito tempo de contribuição, ela conta que já pode pensar na aposentadoria, fato que a deixa um pouco desconfortável. "Do ponto de vista profissional, eu já cheguei no ápice, porque eu sou delegada especial e não tenho pretensões, não posso ser mais que especial, mas já posso pensar em me afastar e questiono como não fazer o que faço". Mesmo assim, Carmen também disse que há outras coisas que ela gosta, ligadas a área de comunicação e revelou que virão novidades por aí.

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